NOVIDADE

28/01/2016

Um mês depois, golpe que mutilou a história de Jataí ainda doi. Renomado escritor e historiador jataiense comenta


Um mês se passou desde aquela fatídica madrugada de domingo, 27 de dezembro de 2015, quando um grande casarão colonial secular simplesmente virou pó em questão de pouquíssimas horas, a indignação ainda é presença forte na população jataiense, sobretudo nas pessoas aculturadas ou que se preocupam e valorizam a preservação da identidade e também da memória sociocultural de Jataí e as gerações de sua sociedade.

O casarão, que em seus últimos anos de existência pertenceu à família da saudosa ex-vereadora Cidália Vilela, já fisicamente não existe mais. O absurdo desrespeito com seu valor histórico (o imóvel foi tombado e, pouco tempo depois, destombado por interesses comerciais (segundo informações) pela administração do prefeito Humberto de Freitas Machado (PMDB), que alegou motivos não convincentes, como "proliferação do mosquito Aedes Aegypti, que transmite a dengue entre outras doenças; abandono do prédio (ora, se o mesmo era tombado, a obrigação de conservá-lo era da própria prefeitura, não?), entre outras desculpas esfarrapadas.

Ex-vereadora Cidália Vilela.
Aquela aparente "casa velha, esquisita"; aquele "monte de lixo velho sem serventia" - na visão de algumas pessoas culturalmente pobre ou que não foram educadas para o respeito à história, às tradições, aos costumes, enfim, à memória de uma sociedade, de uma cidade, um Estado ou mesmo de um País - ainda bem que estas pessoas, reles criaturas "desaculturadas", são minoria - era uma verdadeira "aula viva de história" que foi, repentinamente, banalizada, violada, agredida e... "assassinada" pela ambição e ganância compradas por uma ação que só visou lucros para quem vendeu e, daqui a pouco, também - e principalmente - para quem comprou o terreno que, segundo informações, vai abrigar uma galeria comercial.

Ainda profundamente indignado - assim como eu e milhares de jataienses, e pessoas que não nasceram aqui mas que amam esta cidade - o renomado escritor, pesquisador e historiador local, Dorival Carvalho Mello (DC Mello), autor de várias obras literárias que objetivam perpetuar o pouco que sobrou ou que se lembrou da história de Jataí, uma das importantes cidades do Estado de Goiás, comentou este lamentável episódio no artigo que ele nos enviou, o qual você lê, na íntegra, a seguir.

À direita da foto, como era o casarão da avenida Goiás (por onde passam os bois) com a rua Zeca Lopes. Imagem gentilmente cedida por DC Mello.

DEPOIS DESTA, NADA A DIZER

É triste ver destroçada a história da cidade, enquanto os demolidores, no silêncio da noite, sorriem e dão banana aos conservadores. Agora, o quê merece esses mercenários que mandaram adicionar gaveta em suas urnas mortuárias para não perder de vista seus troféus conseguidos à custa da cegueira oficial?

130 anos. Aliás, mais de 130 anos de sua construção não foi suficiente para despertar a lucidez adormecida de nossos homens de vanguarda e impedir que se apagassem mais uma fase de nossa história, a exemplo de tantas outras.

Por falta de clareza nos registros em poder do Cartório do 1º Ofício, não se pode afirmar com exatidão o início da construção do casarão onde morou o ex-vereador Flávio Francisco Vilela com sua numerosa família. No entanto, a falta de documentos sobre sua origem, sabe-se que esse casarão foi construído na Rua de Cima (mais tarde Av. Goiás), no correr da década de 1870.

Saltando para o ano de 1900, vemos que esse imóvel pertencia Valentim Antônio da Silva. Com a morte de Valentim fez-se o inventário, o qual foi homologado por sentença de 13-10-1900, pelo então Juiz de Direito da Comarca de Jataí, Joaquim de Moraes Sarmento, passando o domínio desse imóvel a várias pessoas. Em 1907 houve outra ação movida por vários interessados por sua posse, entre os quais, estavam: o escrivão Ulderico Cornélio Brom, Olympio Guimarães Toledo (este avô de Basileu França) e outros. 

Logo em seguida Ulderico comprou a parte de Olympio Toledo e instalou no prédio seu cartório do 1º Ofício e também passou a morar no mesmo. A entrada para o cartório era pela Rua Zeca Lopes. Em 1914, Ulderico vendeu sua parte ao Padre Brom. É bom que se diga que nos livros do cartório, o método de anotações nas escrituras era muito confuso, pois nas confrontações do imóvel era usado o nome dos vizinhos e não números e nem quadra, pois esses dados ainda não existiam.

Em 1900, o prédio residencial de Flávio Vilela constou de um relatório no qual era classificado, entre alguns outros, como de padrão sofisticado e por isso o IPTU era o mais elevado.

O jornal O Jatahy, que circulou aqui a partir de 1909, sempre comentava eventos sociais importantes acontecidos ali, mencionando o prédio de rico palacete, pela suntuosidade em relação aos demais daquela época.

É sabido que não adianta chorar leite derramado, mas é preciso lembrar aos demolidores e seus parceiros que pelas características do badalado imóvel, na primeira metade do século passado, o casarão serviu de hospedaria para autoridades e pessoas importantes em visita a Jataí. Assim, foi o caso do chefe da Igreja Católica em Goiás, Dom Prudêncio Gomes da Silva, que, em 1913, acompanhado de sua caravana montada em cavalos, esteve em Jataí para as solenidades de inauguração da nova Matriz (na Praça Padre Brom), construída pelo vigário Brom;

Que em 1916, funcionou o Juizado Municipal, por ordem do Juiz de Direito José Bernardino Rodrigues de Moraes, por falta de condições funcionais no antigo prédio da Cadeia Pública;

É bom lembrar também que na década de 1920, o casarão foi sede do Royal Club, ponto de grandes eventos sociais com a participação das principais lideranças da sociedade local;

No final da década de 1920, abrigou algumas sessões da Câmara de Vereadores, em vista de tumultos policiais na antiga Casa Legislativa, na Praça Prof. Maromba. Ainda nessa mesma época, aqui se instalou a Casa de Saúde São José, da qual Serafim de Carvalho era Diretor, onde sua mãe, Ana Isabel de Carvalho, se fazia de enfermeira voluntária, focando suas atenções nos pacientes mais humildes, principalmente parturientes;

O que os demolidores talvez não saibam é que o intendente Marcondes de Godoy, ao concluir a construção do Grupo Escolar Brasil Caiado, em 1929, convidou para as solenidades de inauguração o Presidente de Goiás na época, Alfredo Lopes de Morais e todo o secretariado, o que resultou numa caravana de quatro automóveis. Todos os convidados ficaram alojados naquele casarão, ocasião em que foi oferecido banquete aos ilustres hóspedes e baile com participação de figuras da sociedade.

Flávio Vilella passou a fazer parte da história dessa casa em junho de 1937, ao adquiri-la por compra. Como Flávio tinha uma pendência jurídica com um casal de sírios residente no Rio de Janeiro, por precaução apareceram como compradores os filhos: José Vilela Sobrinho, Clarindo Vilela, Mariana Vilela, Célia Vilela Ferreira, Celso Vilela, todos maiores. O pai assinou em nome dos filhos menores: Alípio Vilela, Aurenice, Delicia, Cidália e Alba Vilela. O prédio custou 3:500$000 réis, à vista.

Depois de muitos anos morando na casa, a família concluiu a regularização do imóvel em 25 de janeiro de 1950, ao requerer e receber da Prefeitura o Título Definitivo.

Mas, por fim, o velho casarão de Flávio Francisco Vilela e de Dona Isabel foi jogado na vala comum de nossos lixos históricos. Mas isso não dói tanto quanto a incineração e descarte consentidos dos documentos que retratavam nosso poder público na época das intendências, talvez por falta de lugar onde arquivá-los, o que acontece ainda hoje.

Jataí, janeiro de 2016.


DORIVAL CARVALHO MELLO
Escritor, pesquisador e historiador 
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